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O contexto real de Romanos 9

Não é difícil enxergar que as teologias predestinistas possuem seus adeptos entre diversas denominações brasileiras, incluindo algumas igrejas de tradição pentecostal.

O capítulo 9 da carta aos cristãos romanos é usualmente utilizada por teólogos de linha calvinista para defenderem suas ideias de predestinação – a vontade humana como uma peça de um tabuleiro celestial. Nesta visão teológica, os seres humanos foram atingidos pelo que denomina-se depravação total, como se o homem já não tivesse resquícios da imago Dei (a imagem de Deus).

Contudo, afloram teólogos que entendem a antropologia (estudo da natureza humana) de maneira bastante distinta dos teólogos calvinistas. E tais divergências são baseadas em autores cristãos históricos.

Antes de iniciarmos uma análise minuciosa do texto bíblico, é de suma importância a compreensão de que a bíblia, tal como a conhecemos atualmente, não possuia capítulos e versículos a dezenas de séculos atrás. Os antigos cristãos estudavam as cartas bíblicas não por meio de versículos, mas como obras completas com início, meio e fim.

Por exemplo, o primeiro teólogo a dividir os livros da Bíblia em capítulos foi Estevão Langton, um arcebispo da Cantuária, por volta do ano de 1205. Este sistema, apesar de ter sido alvo de algumas modificações com o passar do tempo, ajudou bastante no estudo da bíblia.

Tendo tal informação em mente, devemos estudar as cartas bíblicas com bastante cuidado, evitando o isolamento de capítulos e versículos. Lembre-se sempre disto: Interpretar versículos de maneira isolada do seu contexto, pode gerar novas ideias totalmente contrárias as verdades das escrituras sagradas. Ao longo dos séculos, grupos sectários (seitas) surgiram de interpretações equivocadas, de textos bíblicos retirados de seu contexto.

-> Pontos chaves de entendimento

No início da carta aos cristãos romanos, Paulo de Tarso afirma seu amor por seus compatriotas judeus que não reconheceram Jesus como o Messias profetizado nas escrituras sagradas, e também expressa uma grata surpresa ao ver multidões de gentios que embora criados em culturas contrárias ao evangelho, agora reconhecem o Deus de Israel como o Único Senhor de suas vidas.

Perceba que neste pensamento inicial não caberia a ideia de eleição incondicional, principalmente se abordarmos a carta aos romanos por inteiro. A nação de Israel foi escolhida por Deus entre inúmeras outras, e apesar disso, muitos israelitas não reconheceram o Messias e o rejeitaram publicamente. Levando em consideração o contexto desta carta, podemos inferir que não era a intenção de Paulo afirmar um predestinismo salvífico — muito menos defender que certas pessoas já nasceram destinadas a perdição eterna.

Estes são alguns detalhes importantes para uma interpretação mais clara deste texto bíblico. Entender o contexto em que a carta foi escrita é de suma importância no estudo da bíblia.

Agora vamos estudar o capítulo nove de romanos de maneira mais detalhada.

Versículos 1 ao 5:

Primeiro  -> Em Cristo digo a verdade, não minto dando-me testemunho à minha consciência no Espírito Santo:

Segundo  -> Que tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração.

Terceiro  -> Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne;

Quarto    -> Que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas.

Quinto    -> Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente: Amém.

Ao ler estes cinco versículos iniciais de romanos nove, Paulo deixa claro que está se referindo a nação israelita. Aliás, é importante ter em mente que a nação de Israel é o foco das reflexões teológicas de Paulo nos capítulos 9, 10 e 11.

-> Sobre a eleição incondicional e a incredulidade de Israel

A ideia de uma eleição incondicional, como defendida em algumas interpretações calvinistas, sugere que Deus escolhe indivíduos para a salvação independentemente de suas ações ou fé. No entanto, em Romanos 9, Paulo não está tratando de salvação individual de forma isolada, mas do propósito histórico de Deus em escolher Israel como nação e, posteriormente, incluir os gentios no plano de redenção.

A tristeza de Paulo reflete o fato de que muitos israelitas, apesar de serem herdeiros das promessas, rejeitaram o Messias. Isso não significa que a eleição de Israel como nação tenha falhado, mas que a verdadeira descendência de Abraão, segundo Paulo, é definida pela fé, não apenas pela linhagem física (Rm 9:6-8). Ele diz: “Nem todos os que são de Israel são israelitas” (Rm 9:6), indicando que a promessa se cumpre nos que creem, sejam judeus ou gentios.

-> A utilização de textos do Antigo Testamento em Romanos 9

Os antigos rabinos faziam uso de uma técnica de hermenêutica chamada colar de pérolas, o termo hebraico é “charuz”. Resumidamente, o colar de pérolas é uma técnica que conecta versículos de diversos livros da bíblia hebraica como se fossem pérolas enfileiradas de um colar. O objetivo é criar uma argumentação teológica coesa a fim de defender uma verdade bíblica.

É de suma importância entender as curiosidades culturais da época de Cristo e seus apóstolos. O judaísmo do primeiro século foi de fato uma cultura ímpar e rica na construção de metáforas, interpretações bíblicas e produção de textos teológicos. Fica evidente que Paulo utilizou sua formação farisaica, e o conhecimento que adquiriu com seu antigo professor, o Rabino Gamaliel, em prol da pregação do evangelho e na elaboração de suas cartas neotestamentárias.

Ademais, pretendo construir um novo artigo onde explicarei exclusivamente a técnica interpretativa chamada “colar de pérolas”, mas por hora, basta saber que o apóstolo Paulo fez uso desta técnica na elaboração de alguns de seus textos presentes no Novo Testamento.

Vejamos um exemplo prático!

No capítulo 9 da Carta aos Romanos, Paulo de Tarso utiliza a técnica exegética conhecida como “colar de pérolas” (em hebraico, charuz, ou encadeamento de textos) para conectar passagens do Antigo Testamento às suas reflexões teológicas. Uma dessas passagens, citada diretamente em Romanos 9:12, é a profecia dada a Rebeca em Gênesis 25:23: “Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas; um povo será mais forte do que o outro, e o mais velho servirá ao mais novo.”

A narrativa de Gênesis 25:19-26 apresenta Rebeca, esposa de Isaque, enfrentando uma gravidez tumultuosa. Sentindo os filhos lutarem em seu ventre, ela consulta o Senhor, que lhe revela a profecia: “Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas; um povo será mais forte do que o outro, e o mais velho servirá ao mais novo” (Gênesis 25:23). Essa declaração divina aponta para o nascimento de Esaú e Jacó, que representariam, respectivamente, os povos de Edom e Israel. A profecia subverte a expectativa cultural da época, onde o primogênito (Esaú) teria precedência, indicando que a escolha de Deus transcende convenções humanas.

Inclusão dos Gentios: Ao conectar a eleição de Jacó com a inclusão dos gentios na promessa, Paulo mostra que o plano de Deus sempre foi universal, abrangendo todas as nações.

-> A controversa dupla predestinação

Eleição Condicional e a Justiça de Deus

Jacó Armínio, um teólogo holandês, desenvolveu uma crítica sistemática ao calvinismo, incluindo a dupla predestinação, em obras como Declaração de Sentimentos e Exame do Tratado de Perkins sobre a Predestinação. Ele argumentava que a eleição divina é condicional, baseada na presciência de Deus sobre a fé dos indivíduos, e que a reprovação resulta da rejeição humana à graça, não de um decreto divino incondicional.

1. Eleição Corporativa, Não Individual

Armínio interpretava Romanos 9 como um discurso sobre a eleição corporativa de Israel como o povo escolhido para cumprir os propósitos redentores de Deus, não sobre a salvação ou condenação de indivíduos. A profecia a Rebeca (Romanos 9:12, citando Gênesis 25:23: “O maior servirá ao menor”) refere-se à escolha de Jacó (Israel) sobre Esaú (Edom) para ser o canal da promessa abraâmica. Armínio argumentava que essa escolha é funcional, relacionada ao papel histórico de Israel, e não implica que Esaú ou seus descendentes fossem predestinados à condenação eterna. A salvação de gentios é a prova desta afirmação teológica.

A dupla predestinação, que interpreta Romanos 9 como Deus escolhendo indivíduos para salvação ou danação, ignora o contexto histórico e corporativo da eleição. Armínio insistia que a eleição em Romanos 9 é sobre o propósito divino na história, não sobre destinos imutáveis para indivíduos.

2. Graça Preveniente e Livre-Arbítrio

Armínio desenvolveu o conceito de graça preveniente, que capacita todos os seres humanos a responderem livremente ao chamado de Deus. Em Romanos 9:16 (“Não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia”), ele via uma ênfase na iniciativa divina, mas não na exclusão do livre-arbítrio. Para Armínio, a misericórdia de Deus é oferecida universalmente, e a reprovação ocorre quando indivíduos resistem persistentemente à graça.

A dupla predestinação contradiz a universalidade da oferta de salvação (1 Timóteo 2:4; João 3:16). Armínio argumentava que Romanos 9 não ensina que Deus predestina alguns para a condenação, mas que a rejeição resulta da escolha humana de resistir à graça preveniente.

3. O Endurecimento como Resposta Humana

Sobre o endurecimento de Faraó (Romanos 9:17-18), Armínio explicava que Deus endurece os corações apenas após a rejeição voluntária e persistente de sua graça, como visto em Êxodo, onde Faraó endurece seu próprio coração antes que Deus confirme essa escolha (Êxodo 7:13-14). Isso reflete um processo judicial, não um decreto incondicional.

A dupla predestinação interpreta o endurecimento como um ato soberano de Deus para condenar, mas Armínio via isso como uma consequência da obstinação humana, preservando a justiça divina e a responsabilidade humana.

4. Justiça e Caráter de Deus

Armínio enfatizava que a dupla predestinação é incompatível com a justiça e o amor de Deus. Em Romanos 9:14, Paulo pergunta: “Há injustiça da parte de Deus?” e responde: “De modo nenhum!” Armínio argumentava que predestinar indivíduos à condenação sem considerar sua resposta violaria o caráter de Deus, que deseja que todos se salvem (2 Pedro 3:9).

A dupla predestinação torna Deus o autor do pecado e da condenação, o que Armínio rejeitava como incompatível com a bondade divina. Ele via Romanos 9 como uma defesa da soberania de Deus em oferecer misericórdia, não em negá-la arbitrariamente.

John Wesley: Evangelho Universal e Responsabilidade Humana

John Wesley, fundador do metodismo, foi profundamente influenciado por Armínio, mas adaptou suas ideias para uma teologia prática e evangelística. Em seus sermões, como “Livre Graça” e “Sobre a Predestinação”, e em seus comentários sobre Romanos, Wesley refutou a dupla predestinação, enfatizando a oferta universal da salvação e a responsabilidade humana.

1. Eleição Condicionada à Fé

Wesley interpretava Romanos 9 como uma discussão sobre a eleição de Israel para um propósito histórico, não sobre a salvação individual. Ele via a escolha de Jacó sobre Esaú como um exemplo de Deus selecionando um povo para levar adiante a promessa, mas insistia que a salvação individual depende da fé. Em Romanos 9:11-12, a eleição “não por obras, mas por aquele que chama” refere-se à iniciativa divina, mas não exclui a necessidade de uma resposta humana.

Wesley rejeitava a dupla predestinação por limitar a salvação a um grupo seleto, contrariando passagens como Romanos 10:13 (“Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”). Ele argumentava que a eleição em Romanos 9 é condicional à fé, não um decreto incondicional.

2. Oferta Universal da Graça

Como Armínio, Wesley enfatizava a graça preveniente, que torna todos capazes de aceitar o evangelho. Ele via Romanos 9:16 como uma afirmação de que a salvação depende da misericórdia de Deus, mas essa misericórdia é oferecida a todos. Em seu sermão “Livre Graça”, Wesley criticava a dupla predestinação por sugerir que Deus condena alguns sem chance de redenção, o que ele considerava uma distorção do evangelho.

A dupla predestinação nega a universalidade do amor de Deus, que Wesley via como central ao evangelho. Ele apontava para Romanos 11:32 (“Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos”) como evidência de que a salvação está disponível a todos.

3. Endurecimento como Consequência, Não Causa

Wesley interpretava o endurecimento de Faraó como um ato judicial de Deus, confirmando a escolha de Faraó de resistir à graça divina. Ele argumentava que Deus não endurece corações arbitrariamente, mas permite que indivíduos colham as consequências de sua rejeição persistente.

A dupla predestinação apresenta Deus como a causa direta da condenação, o que Wesley rejeitava como incompatível com a justiça divina. Ele via o endurecimento em Romanos 9 como uma resposta à desobediência humana, não como um decreto eterno.

4. Harmonia com o Contexto de Romanos

Wesley insistia que Romanos 9 deve ser lido em conjunto com Romanos 10 e 11, onde Paulo enfatiza a salvação pela fé e a inclusão de judeus e gentios. A universalidade da oferta de salvação em Romanos 10:9-13 e a promessa de misericórdia para todos em Romanos 11:32 contradizem a ideia de que Deus predestina alguns para a condenação.

A dupla predestinação isola Romanos 9 de seu contexto mais amplo, ignorando a ênfase de Paulo na fé como o meio de salvação. Wesley via Romanos como um todo apontando para um evangelho inclusivo, não exclusivista.

Comparação e Síntese

Tanto Armínio quanto Wesley rejeitavam a dupla predestinação por razões semelhantes: ela compromete a justiça e o amor de Deus, nega o livre-arbítrio humano e contradiz a universalidade da oferta de salvação. Armínio ofereceu uma crítica mais acadêmica e sistemática, focando na presciência divina e na eleição condicional, enquanto Wesley enfatizou a aplicação prática, destacando a graça preveniente e a evangelização universal. Ambos viam a profecia a Rebeca em Romanos 9:12 como uma escolha corporativa para propósitos históricos, não como um decreto de salvação ou condenação individual.

-> O patriarcas Jacó e Esaú simbolizam nações

O texto de Romanos 9 não trata primariamente da salvação individual, mas da eleição corporativa de grupos ou nações para cumprir os propósitos de Deus na história. A citação da profecia a Rebeca (Gênesis 25:23) em Romanos 9:12, onde Deus declara que “o maior servirá ao menor”, refere-se à escolha de Israel (Jacó) sobre Edom (Esaú) como o povo por meio do qual a promessa abraâmica seria realizada. Essa escolha não implica na salvação ou danação eterna de indivíduos, mas na seleção da nação chamada Israel como o canal da revelação divina.

A eleição incondicional, que sugere que Deus escolhe indivíduos para a salvação sem considerar sua resposta, é inconsistente com o contexto de Romanos 9, que foca nos propósitos históricos de Deus para Israel e as nações. A escolha de Jacó sobre Esaú é funcional, relacionada ao papel de Israel na história da redenção, não se refere à existência fatalista das pessoas ao longo da história.

Jonathas Henrique Pocidonio

Autoria dos Estudos Bíblicos

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